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Conheça principais semelhanças entre funk americano e funk brasileiro

Isaac Hayes precursor do funk (Foto: Divulgação)

O termo “funk” é um adjetivo inglês para descrever a música com ritmo mais lento, mas, ao mesmo tempo, sexy, e caracterizada pelo uso de frases musicais repetidas. Nesta segunda década do século XXI, é  impossível negar a relevância do funk no amplo leque da música brasileira popular. Em caso de dúvidas, basta verificar as paradas de sucessos e os rankings das plataformas de streaming.

Gerson King Combo, pai do funk nacional (Foto: Divulgação)

Há pessoas que dizem “gostar do funk original”, mas que “abominam” o funk brasileiro. Em contrapartida, há tantas outras pessoas que chegam a desconhecer qualquer tipo de funk que não venham acompanhados dos termos “pancadão”, “melody”, “ostentação” ou “carioca”. Mas e aí? Será que os dois estilos de funk não carregam semelhanças entre si? Para esclarecer esta pergunta que não quer calar, listamos alguns pilares desta cultura que você precisa conhecer.

Origens Sonoras

Sob a influência do soul, do jazz e do blues, o funk americano surgiu na década de 1960. Como principal característica sonora, o estilo aposta em um ritmo mais levado pela combinação baixo elétrico e bateria.

Por sua vez, o funk brasileiro tem suas raízes no Miami Bass, um subgênero do electro que se popularizou nos Estados Unidos, entre as década de 80 e 90. Do “Som de Miami”, o funk made in Brazil herdou a questão das letras repetitivas e com teor sexual.

Mas sempre foi tão diferente?

Não, claro que não!

Durante a década de 70, a sonoridade do funk brasileiro era bem parecida com a sonoridade do funk americano. Se na terra do Tio Sam o público funkeiro se rendia ao poder de James BrownIsaac Hayes e Funkadelic, do lado de cá da Linha do EquadorTim MaiaGerson King Combo e Banda Black Rio também faziam o baile seguir. Por questões culturais, naturalmente que o funk feito por aqui recebia suas pitadas de temperos e sabores brasileiros.

Em entrevista ao pessoal da Faculdade Cásper Líbero, o coreógrafo americano Milo Levell explicou o perfil de contestador que o funk assumiu na década de 1960. Conhecido por trabalhar com astros do calibre de Michael Jackson e Beyoncé, artistas diretamente ligados ao universo funkeiro, Levell testemunhou o impacto cultural provocado pelo funk.

Junto com o funk, veio a imagem dos visuais ‘afros’ e calças longas. As danças de salão já era populares nos EUA, mas além da dança, o funk trouxe consigo uma forma de se expressar

No final da década de 60, ainda segundo Levell, a segregação racial era um dos grandes pesadelos da sociedade dos Estados Unidos. E foi na música que os afro-americanos encontraram a ferramenta mais potente para revelar ao mundo como se sentiam. Com o funk Say It Loud, ‘I’m Black And I’m Proud’ (Diga Alto, ‘Sou Negro e Tenho Orgulho’), a voz de James Brown deu ao mundo o recado que o negro americano tanto precisava vociferar.

No funk brasileiro, quando comparado com o que rolava no funk americano, o caráter político chegou com um delay de quase 30 anos. Apesar de existir na música brasileira popular desde os anos 70, foi só na década de 90 que o nosso funk se politizou com propriedade.

Naqueles tempos, os MCs cariocas investiam em letras que falavam sobre cotidianos e problemas vivenciados nas comunidades e até possuíam uma ligação mais estreita com o hip hop. Com a música Rap da Felicidade, responsável por imortalizar os versos “Andar tranquilamente na favela onde eu nasci” e “E poder me orgulhar/E ter a consciência que o pobre tem seu lugar”, por exemplo, a dupla Cidinho e Doca encontrou a forma exata para protestar contra a violência. Por sua vez, o MC Bob Rum trouxe à tona a questão do preconceito e da violência. Ao lançar o Rap do Silva, Bob Rum cantou a história de um “preto, pai de família” que morreu com um tiro na favela.

E a sexualização?

Assim como no rock, no blues, no samba ou em qualquer outro estilo de música, os temas de cunho sexuais sempre tiveram espaço. Por mais que os paladinos do comportamento politicamente correto possam pensar que “não é bem assim”, uma rápida consulta em algumas letras deixam bem claro que o “sexo é assunto popular”, como brilhantemente cantou Zé Ramalho.

No caso dos papas do funk original, inevitavelmente, não foi diferente. O mesmo James Brown que foi a voz do “orgulho negro”, também foi a voz de uma música chamada Sex Machine. Em um determinado trecho da letra, Brown canta os seguintes versos:

Balance seus braços, depois use seu corpo/Fique na cena como uma máquina do sexo/Você tem que ter esse sentimento desde que nasce/Consiga, vá em frente

No livro Funk-se quem quiser, Adriana Carvalho Lopes afirma que no funk brasileiro há uma “guerra dos sexos”. Para a autora, que é Doutora em Estudos de Linguagens, nas letras dos funks nacionais há uma intensa polarização entre o espaço da sexualidade e o espaço do compromisso com o casamento.

Cabe destacar que, nessa polarização, existe uma ênfase na dominação masculina e nos padrões assimétricos dos gêneros. Assim temos, de um lado ‘o jovem macho sedutor’, que ‘tudo pode’, pois ele circula entre esses dois espaços: tanto o da sexualidade quanto o do casamento – ele pode seduzir, fazer sexo por prazer, mas também pode se casar. E, de outro lado, a personagem ‘fiel’ (como aquela que estabelece vínculos com o casamento)  e a ‘amante’ (aquela que está apenas no espaço da sexualidade).

Comparando com o contexto atual de algumas músicas do funk nacional, a “Máquina de Sexo” de Brown pode ser considerada aquele carinha da escola  “que não pega ninguém”. Não podemos nos esquecer, no entanto, que o passar do tempo muda o mundo e a mente das pessoas. Desta forma, não é exagero entendermos que James Brown certamente abalou as estruturas do pensamento da ala conservadora daqueles tempos.

Tem espaço para todos!

A evolução natural das coisas fez com que a música, de maneira geral, fosse alvo de muitas modificações. No caso do funk, em específico, as mudanças são 100% intensas. Os inevitáveis desdobramentos fizeram do estilo um caldeirão de ramificações.

Ao longo das décadas, o funk americano se reinventou e se adequou às sonoridades de seu tempo. O grupo Parliament que agitou o cenário na década de 70, dificilmente pode ser colocado na mesma prateleira de seus contemporâneos do Earth,Wind & Fire ou do Chic.

Funk mais pop de Anitta vive grande fase na música brasileira (Foto: Divulgação)

Do lado de cá, o funk brasileiro também sempre eu abertura para a coexistência de tendências. Nos anos 90, por exemplo, o romantismo de MC Marcinho dividia espaço com os já citados Cidinho e Doca. Atualmente, os flertes com o pop internacional propostos por Anitta, Ludmilla e Jojo Maronttinni dividem espaço com a turma da ‘pegação e curtição sem limites’ de Kevinho, de MC G15 e de toda a turma que trabalha sob a regência de KondZilla.

Uma tendência, no entanto, é certa entre os funks espalhados mundo afora: as conexões com elementos do pop sempre foram as engrenagens que giraram as transformações pelas quais o estilo passa.

Foto de Gustavo Morais

Gustavo Morais

Jornalista, com especialização em Produção e Crítica Cultural. Pesquisador independente de música, colecionador de discos de vinil e mídias físicas. Toca guitarra, violão, baixo e teclado. Trabalha no Cifra Club desde novembro de 2006.

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