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Trajetória sertaneja: dos causos caipiras aos temas empoderados!

Segundo os nossos pais e avós, “já não se faz mais música sertaneja como antigamente”. De fato, desde que o agitador cultural Cornélio Pires começou com as gravações de “causos” e fragmentos de cantos tradicionais do interior de várias partes do Brasil, lá no ano de 1929, muita coisa mudou no sertanejão. E não poderia ser diferente! Contestado por muitos, mas amado por tantos outros, o gênero musical sertanejo vem se reinventando há quase 90 anos!

Cornélio Pires em meio aos caipiras (Foto/Internet)

Assim como o samba, o sertanejo é um dos pilares da música brasileira popular. Por essa e outras, nada mais justo do que conhecermos um pouquinho mais sobre como o estilo saiu da roça, ganhou a zona boêmia, prestou vestibular e se firmou como musicalização do poder feminino. Para isso, que tal darmos uma conferida nos passos que o sertanejão vem seguindo?

1. Raiz – A era do matuto saudosista

Estamos falando da genuína música caipira. É onde o sertanejo começou, na década de 1920. O gênero é caracterizado pelas melodias e por letras saudosistas. No geral, as músicas são autobiográficas, ou seja, são canções que contam as histórias do homem do campo.

Tonico e Tinoco, ícones do sertanejo raiz (Foto/Internet)

Ainda em sua era inicial, a música caipira viu nascer a Moda de Viola. A vertente é caracterizada por introduções emblemáticas e solos virtuosos no instrumento de 10 cordas, que é um dos maiores símbolos da música sertaneja. A temática, no entanto, continua sendo a vida e os costumes do matuto.

Expoentes campistas: Tonico e Tinoco, Inezita Barroso, Tião Carreiro e Pardinho e Pena Branca e Xavantinho.

2. Sertanejo – Antropofagia caipira

Após a Segunda Guerra Mundial, a música sertaneja experimentou seu primeiro momento antropofágico. No final dos anos 40 e começo dos anos 50, o sertanejo incorporou novos estilos, como polca europeia, e novos instrumentos, como o acordeão e a harpa. As temáticas das letras assumiram um caráter mais amoroso, mas sem perder a veia autobiográfica.

As Galvão, força feminina no sertanejo (Foto/Internet)

Alguns anos depois, Milionário e José Rico modernizaram o sertanejo com mais uma injeção antropofágica. A dupla sistematizou o uso de elementos da tradição mexicana mariachi, com floreios de violino e trompete, que havia sido implantado por Pedro Bento e Zé da Estrada. Quem também soube digerir os sons mexicanos foi o Trio Parada Dura, a turma mineira que cantava sobre “andorinhas” e “blusas vermelhas”.

Sertanejos antropofágicos: Cascatinha e Inhana, As Galvão, Lourenço e Lourival e Pedro Bento e Zé da Estrada.

3. Sertanejo Romântico – A roça encontra a selva de pedra

A partir de meados da década de 1970, muitos artistas de música sertaneja meio que fizeram uma migração rural, isto é, a turma saiu da roça e foi pra cidade. Como consequência, o sertanejo perdeu um pouco da temática caipira e passou a falar mais sobre questões afetivas.

Chitãozinho & Xororó dividem águas desde a década de 1970 (Foto/Internet)

Com a adesão de guitarras, teclados, baterias e instrumentos eletrônicos aos arranjos, o sertanejão estabeleceu a improvável conexão com o rock, que havia começado com Léo Canhoto e Robertinho, a dupla que “sertanejou” os acordes e o visual à la Elvis Presley. Graças ao ecletismo e ao poder das FMs, o estilo entrou nos anos 80 de forma antológica e continuou na boca do povo ao longo de toda a década seguinte.

Românticos natos : Matogrosso e Mathias, Gilberto e Gilmar, Roberta Miranda, Gian e GiovaniBruno e Marrone.

4. Sertanejo Universitário – O vestibular da indústria

De origem pantaneira, o sertanejo universitário começou por volta de 1994, quando a dupla João Bosco e Vinícius começou a se apresentar nos bares de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. Como eram universitários, os cantores não encontraram muita dificuldade em ter aceitação por parte dos demais estudantes que precisavam matar o tédio e as saudades de casa.

João Bosco e Vinícius, pioneiros da turma universitária (Foto/Internet)

O estilo é caracterizado por mesclar o sertanejo brega/romântico com uma batida mais dançante/eletrônica. As temática das letras são focadas em festas, pegação e hedonismo. Apesar de existir há mais de 20 anos, o sertanejo universitário só estourou nos anos 2000, quando várias duplas e cantores catapultaram vários sucessos na mente e no coração de universitários Brasil afora. Como consequência, ganhou as baladas e o público jovem, o que abriu as portas para que se tornasse o ritmo mais ouvido do país.

Passaram no vestibular: Fernando e Sorocaba, Jorge e Mateus, César Menotti e Fabiano, Michel Teló e Gusttavo Lima.

Como não é uma febre passageira, o sertanejo universitário segue lançando artistas e emplacando sucessos! Como não poderia ser diferente, o estilo se desdobrou nas vertentes funknejo, que apresenta conteúdo mais sexistas nas letras, e eletronejo, que focam ainda mais nos batidões eletrônicos.

Turma do fundão: Lucas Lucco, Israel Novaes, Thiago BravaBruno e Barreto e Pedro Paulo e Alex.

5. Feminejo – Reafirmação da mulherada

A presença feminina não é novidade na música sertaneja. Se voltarmos alguns anos na linha do tempo [ou nos itens anteriores da matéria], inevitavelmente vamos nos deparar com verdadeiras lendas sertanejas! Porém, durante muitas décadas houve predominância masculina. A partir de meados da década de 2010, no entanto, o jogo virou pros lados da mulherada. Depois de quase 90 anos de história, as cantoras conquistaram um espaço de igual para igual com os cantores.

As patroas, o trio mais empoderado do feminejo(Foto/Internet)

Os arranjos das ditas “músicas de empoderamento” são bem parecidos com o que rola no sertanejo universitário e derivados. Por sua vez, as temáticas das letras são verdadeiras aulas sobre como superar romances fracassados, devolver ou cometer infidelidade, se jogar na esbórnia, entre outros assuntos hedonistas. Porém, nem só de farra vive o feminejo! Há canções sobre direitos das mulheres e igualdade entre os sexos.

Poderosas: Marília Mendonça, Naiara Azevedo, Simone e Simaria, Paula Mattos e Maiara e Maraisa.



  
Foto de Gustavo Morais

Gustavo Morais

Jornalista, com especialização em Produção e Crítica Cultural. Pesquisador independente de música, colecionador de discos de vinil e mídias físicas. Toca guitarra, violão, baixo e teclado. Trabalha no Cifra Club desde novembro de 2006.

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