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Ouvir death metal traz prazer e não desperta violência, diz estudo

Em algum momento da primeira metade da década de 1980, a turma do thrash metal percebeu que poderia soar de maneira ainda mais agressiva. E foi naquele cenário que surgiu o death metal, uma sonoridade marcada por ritmo extremamente veloz e mudanças abruptas de tempo.

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Disco de estreia da banda Death é um marco na história do death metal (Divulgação)

No que diz respeito às concepções de arranjo, o death agrega guitarras com afinações mais baixas, distorcidas e caracterizadas pelo uso das técnicas palm muting e tremolo picking. Além de guturais, os vocais são urrados e repleto de gritos. A bateria é tocada [ou melhor dizer “espancada”?] com bastante agressividade e com uso de pedal duplo. As letras tendem a abordar morte, religião, satanismo, ocultismo, terror, filosofia, ficção científica, entre outros assuntos polêmicos. Há também a presença de temas extremos, como mutilação, tortura, canibalismo e necrofilia.

Paul Mazurkiewicz e o Cannibal Corpse ajudaram a popularizar o death metal

Empunhando as baquetas da banda Cannibal Corpse, Paul Mazurkiewicz ajudou a definir a sonoridade do death (Divulgação)

Usando os temperos e ingredientes listados acima, a turma da camisa preta viu o despontar de bandas como DeathObituaryAutopsyMorbid AngelCannibal Corpse, Sepultura, DecideHolocaustoBehemoth e vários outros pesos pesados.

Dê o play e confira uma amostra do bom e velho death metal:

Com base no seu conhecimento prévio e no que foi lido e visto até aqui, você certamente pode concluir que o death metal é um gênero de música que incita ódio, violência e mais uma porção de coisas ruins, correto? Mas é aí que você se engana, caro amigo leitor. Continue lendo este post e descubra como esse polêmico membro da árvore genealógica do heavy metal é visto à luz da ciência 😉

Fã de death metal é “gente boa”

Pesquisadores do laboratório de música da Macquarie University, em Sidney, na Austrália, desenvolveram um estudo que desmistifica a impressão violenta que o death metal causa no senso comum. Intitulada “Implicit violent imagery processing among fans and non-fans of music with violent themes”, a pesquisa foi divulgada no periódico da The Royal Society, instituição britânica destinada à promoção do conhecimento científico, que existe desde o ano de 1660.

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Segundo o estudo, os fãs desse gênero de música, via de regra, não são pessoas insensíveis a imagens violentas. Em conversa com a BBC de Londres, Bill Thompson, professor da universidade australiana explicou que a galera que ouve death metal não anda por aí amarrando pessoas na cama e bebendo o sangue delas.

“Os fãs são gente boa”, alega Thompson. “Eles não vão sair por aí machucando pessoas [por causa da música pesada]”, completa.

A violência não faz parte dos costumes da plateia de death metal formada por pessoas não

No geral, público “camisa preta” é pacífico (Foto/Pexels)

O trabalho é parte de uma pesquisa que se estende por décadas sobre os efeitos emocionais da música. Segundo as ponderações de Thompson, esse impacto é complexo.

Muita gente gosta de música triste, e isso é uma espécie de paradoxo – por que desejaríamos ficar tristes? […] A mesma lógica pode ser aplicada para músicas agressivas ou a temas violentos. Para nós, é um paradoxo psicológico – então (como cientistas) nos desperta a curiosidade, inclusive porque reconhecemos que a presença da violência na mídia é um tema socialmente importante

Testando a sensibilidade à violência

Para chegar às suas conclusões, os cientistas testaram a sensibilidade das pessoas à violência por meio de um experimento psicológico clássico. Eles usaram as técnicas que investigam respostas dadas pelo subconsciente – aplicadas, no caso, com fãs de death metal.

Ao longo dos testes, 32 apreciadores do gênero e 48 pessoas que não o ouviam habitualmente escutaram a música “Eaten”, da banda Bloodbath, enquanto olhavam para imagens desagradáveis.

Me corte, me fatie/Chupe minhas entranhas, lamba meu coração/Me corte em pedaços, eu gosto de ser machucado
Beba minha gordura e sangue como sobremesa/Devorado… meu maior desejo, meu único desejo é ser devorado, diz a livre tradução do refrão da música.

Se o trechinho acima de te deixou de queixo caído, dê o play e veja como a música funciona ao vivo:

Segundo Yanan Sun, uma das cientistas coordenadores da pesquisa, o objetivo do experimento era medir em que nível o cérebro dos participantes observavam as cenas de violência, e comparar como sua sensibilidade era afetada pela trilha sonora. Para verificar o impacto de diferentes tipos de música, eles também utilizaram “Happy”, hit de Pharrell Williams, uma canção que consideravam o oposto do que “Eaten” representava.

Hit de Pharrell Williams, a música

Hit mundial de Pharrell Williams também foi sada na pesquisa (Foto/Divulgação)

Os participantes ouviam uma ou outra faixa, enquanto lhes eram mostradas duas imagens – uma para cada olho. Uma exibia uma cena violenta – alguém sendo atacado na rua, por exemplo. Outra mostrava algo inofensivo, como um grupo de pessoas caminhando pela mesma rua da primeira foto.

“É o que chamamos de rivalidade binocular”, explica Yanan Sun. “O cérebro vai tentar processar (aquela informação) – presumivelmente, existe uma razão biológica para isso, porque seria uma ameaça”, completa o professor Thompson.

“Se os fãs dessa música supostamente violenta estivessem dessensibilizados à violência – que é o que preocupa grupos de pais, de religiosos e de censores -, eles não apresentariam o mesmo viés seguidos pelos indivíduos não fãs participantes. Mas eles apresentaram exatamente o mesmo viés em relação ao processamento das imagens violentas”, conclui.

O teste psicológico aplicado no estudo tem como base o fato de que a maioria das pessoas, quando estimulada com uma imagem neutra em um olho e uma violenta em outro, se concentra mais na segunda.

A importância da pesquisa

Aos olhos de muitos, a pesquisa pode até ser um assunto desinteressante. Porém, o professor Thompson entende que a importância do estudo está atrelada a aspectos comportamentais da sociedade. Segundo ele, as conclusões da análise devem ser usadas como forma de tranquilizar “pais e grupos religiosos” que têm preocupações a respeito de músicas violentas.

“A resposta emocional dominante a esse tipo de música é prazer e empoderamento”, pontua o pesquisador. “Acredito que ouvir esse tipo de música e transformá-la em uma experiência bonita, de empoderamento, é algo incrível”, completa.

Com a palavra, a banda usada na pesquisa

Formada em 1998, Bloodbath é um supergrupo sueco de death metal. Uma de suas principais características é ter ou já ter tido, na formação, membros de bandas icônicas como Katatonia, Opeth, Hypocrisy, Witchery e Nightingale.

Bloodbath Death concorda com o estudo sobre death metal

Bloodbath valida conclusões do estudo da universidade australiana (Foto/Divulgação)

Em conversa com a BBC News, o vocalista Nick Holmes explicou que a banda não teve participação presencial na pesquisa. Porém, o músico afirmou ter se identificado com os resultados obtidos na análise. “As letras [de death metal] são uma diversão inofensiva, como o estudo comprovou”, afirma.

Ele ainda revela ouvir canções “melancólicas, dramáticas, tristes ou agressivas – e nada muito além disso”. “São gêneros que me dão sensação de prazer e empoderamento”, acrescenta.

A respeito da letra de de “Eaten”, ele confessa: “eu não a escrevi, mas sinceramente ficaria chocado se alguém que ouvisse a música sentisse desejo de ser comido por um canibal”. Holmes também acrescenta que as músicas da banda são “basicamente uma versão em áudio de um filme de terror dos anos 1980”.

Já que ouvir detah metal faz bem pra saúde, que tal curtir um som da Bloodbath?

E agora que a ciência provou por a + b que death metal não desperta violência, que tal ajudar a desmistificar esse assunto tão polêmico? É bem simples: você só precisa compartilhar o link deste post nas suas redes sociais e chamar a galera para se ligar num assunto tão importante para a turma da camisa preta \m/

Foto de Gustavo Morais

Gustavo Morais

Jornalista, com especialização em Produção e Crítica Cultural. Pesquisador independente de música, colecionador de discos de vinil e mídias físicas. Toca guitarra, violão, baixo e teclado. Trabalha no Cifra Club desde novembro de 2006.

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