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Você sabe o que é o trítono? Saiba a verdade sobre “o som do diabo”

Seja por causa da postura e do discurso de artistas de heavy metal, ou por causa de algumas lendas urbanas em torno de rock stars ou até mesmo por simples implicância dos mais conservadores, o ocultismo sempre teve bastante força no mundo da turma da camisa preta.

Chifrinhos do heavy metal não te levam pro inferno

O gesto clássico do metal sempre provocou incômodos (Foto/Pexels)

Em pleno século XXI, por exemplo, o gesto feito com os dedos indicadores e mindinho, ou seja, o chifre do metal ainda é capaz de provocar olhares desconfiados.

Mas você sabia que um intervalo de notas musicais já foi conhecido como “demoníaco”? 

Sim! “Tão certo quanto o calor do fogo”, a informação acima é verdadeira. Estamos falando do trítono, também chamado “o som do diabo”.

Um calafrio te congelou os ossos aí? Não se aflija, amigo leitor. Neste post, nós vamos te contar essa história e te daremos alguns exemplos de músicas que contenham modalidades dessa combinação de “notas malditas”. Vamos nessa? \m/

O que é o trítono

O trítono nada mais é o intervalo entre duas notas, formado por três tons completos. A etimologia da palavra já deixa isso bem claro:

  • Tri = três
  • Tono = tons

Temos a formação de um trítono quando a distância entre duas notas for de três tons inteiros. Um exemplo claro desse tipo de intervalo está entre as notas Fá (F) e Si (B). Entre as duas notas nós temos exatamente o intervalo de 3 tons. Vamos analisar nota por nota:

  • F – G: 1 tom
  • G – A: 1 tom
  • A – B: 1 tom

Quando tocadas ao mesmo tempo, essas duas notas proporcionam o famoso trítono. Dê o play no vídeo abaixo e ouça, ao longo dos primeiros segundos, o exemplo mais conhecido desse intervalo:

Bastante “cabuloso” o som desse hit dos gigantes do metal, não é mesmo? Essa experiencia sensorial que bagunçou cada molécula dos eu corpo tem relação com o conceito de dissonância na música, sonoridade proposital que é caracterizada por instabilidade e tensão. Agora, de maneira prática, você pode fazer um trítono aí no seu violão ou na sua guitarra.

Trítono é típico no som do Black Sabbath

Não tenha medo de tocar um trítono (Reprodução/Cifra Club)

Viu só como o ouvinte é arrebatado por uma intensa agonia e abduzido por um sentimento de angústia? Uma outra amostra bem clara desse efeito sombrio está nas trilhas de filmes de terror. Com o reforço de duas notas musicais, a gente consegue ter uma experiência sensorial ainda mais completa com as traquinagens dos personagens mais apavorantes da ficção.

“O som do diabo” e a matemática

Ah, a matemática! Odiada por muitos, mas amada por tantos outros, essa ciência maravilhosa existe para explicar o universo por meio de fórmulas e números.

Como não poderia ser diferente, o trítono tem sua explicação matemática. De acordo com uma reportagem da revista Superinteressante, o mistério em torno do “som do diabo” pode ser desvendado com uma simples conta de divisão. Mas para fazer o cálculo, nós precisamos conhecer a frequência (Hz – Hertz) das notas. Por exemplo:

Dá para fazer um trítono com um F (261,6 Hz) e um B (369,9 Hz). Dividindo o maior pelo menor, nós teremos 1,414196947570369… Hz, ou seja, aproximadamente 1,41 Hz

A matemática explica o trítono de F e B

A matemática explica até o trítono (Imagem/Cifra Club)

A relação entre as duas frequências é um número irracional, ou seja, que não tem um fim. Quando mais fora do comum for o resultado da divisão, maior será os efeitos de angústia, pavor e medo provocados pelo intervalo. Ainda segundo a Superinteressante, se fizermos a conta com os valores referentes ao trítono de C (dó) e G (sol), a divisão vai dar um tranquilo e exato 1,5 Hz. Sendo assim, teremos um intervalo bem pouco [ou quase nada] apavorante.

O veto da igreja

Agora que já passamos pela explicação matemática sobre o “som do diabo”, chegou a hora de mergulharmos na parte polemizada do assunto. Segundo as crenças populares, o efeito de tensão provocado pelo trítono fez com a igreja ocidental proibisse o seu uso.

Supostamente, durante a Idade Média (Século V – XV), esse tipo de intervalo recebeu como nome o termo em latim “diabolus in musica”, que em português quer dizer “música do diabo”.  Segundo essa teoria, a dissonância do trítono seria vista pela igreja como maligna, pois acreditava-se que a perfeição divina poderia ser traduzia em sons harmônicos, não em situações desarmônicas.

O termo “diabolus in musica” realmente existe em registros históricos, mas não no sentido de proibição, e sim de dificuldade. Segundo o site Descomplicando Música, trata-se apenas um aviso de que esse intervalo era difícil de ser reproduzido de forma vocal.

Slayer pegou carona no uso do termo

Em 1998, a banda Slayer lançou um disco chamado Diabolus in Musica (Divulgação)

Em um vídeo publicado no YouTube, o músico Adam Neely explica que o um dos primeiros registros do termo aparece só no século XVIII, pelas mãos do teórico Johann Fux. A referência, inclusive, não se referia ao trítono! Na verdade, Fux desaconselhava arranjadores a colocarem duas vozes cantando notas bem próximas entre si. A razão não era espiritual ou religiosa, apenas prática: além da combinação não ser agradável aos ouvidos em certas situações musicais, também é difícil acertar o tom de sua própria nota quando outros vocalistas estão cantando notas muito próximas.

Quanto à igreja, não há registro histórico de que ela realmente tenha vetado o uso do trítono. Sendo assim, todo esse papo de notas malignas, etc e tal, não passa de fake news.

Trítono sem medo

Conforme visto linhas acima, o trítono é comum nas trilhas de filmes de suspense e de terror. O uso se dá por um simples motivo: a sonoridade desse intervalo transmite a sensação de instabilidade.

Tenacious D também manja de trítono

O trítono não fez a dupla Tenacious D experimentar o fogo do inferno (Foto/Pexels)

E muitas dessas trilhas sonoras de filmes de suspense usam somente dois acordes e já conseguem desenvolver essa ideia de tensão. “Por isso que o intervalo de trítono é chamado por muitos de intervalo dissonante. Já que gera essa sensação de incerteza”, como bem pontua o Blog Guitarpedia.

Falando um pouco de ambiência, músicas carregadas de tensão possuem muitos trítonos. O heavy metal e o blues são bons exemplos de estilos que incorporaram esses intervalos em suas harmonias básicas. Porém, nem só na música popular habita o trítono! No tema de abertura do The Simpsons, a nota do “The” com a nota do “Sim” formam um trítono logo de cara!

Conforme você confere abaixo, o 1º movimento da 5ª Sinfonia de Beethoven é uma excelente amostra do uso desse tipo de intervalo em uma peça erudita.

De fato, o trítono é um intervalo incômodo de cantar, tem potencial para desafinar e desperta sensações de tensão. Porém, tudo se resume a uma questão de ordem técnica, sem influências de forças ocultas demoníacas. Sendo assim, toque e ouça heavy metal sem medo de ser feliz \m/

Foto de Gustavo Morais

Gustavo Morais

Jornalista, com especialização em Produção e Crítica Cultural. Pesquisador independente de música, colecionador de discos de vinil e mídias físicas. Toca guitarra, violão, baixo e teclado. Trabalha no Cifra Club desde novembro de 2006.

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